Brasil tem 95 foragidos da Justiça há mais de 25 anos; total chega a 306 mil

Há 36 anos aconteceu um assassinato em Baião, pequeno município no Pará hoje com cerca de 51 mil habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Um homem foi morto a tiros de espingarda e Antonio Afonso Coelho, hoje com 70 anos, foi acusado pelo crime.

Pouco mais de um ano depois, em 23 de novembro de 1990, a Vara Única de Baião do Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA) decretou a prisão preventiva dele. Seria apenas mais um caso de homicídio dentre os milhares que acontecem no país todos os anos, não fosse um detalhe: Coelho nunca foi preso em decorrência do crime e segue foragido até hoje.

Com mandado de prisão válido até 23 de novembro de 2050 e condenado definitivamente a 22 anos de cadeia no caso em novembro de 2012 à revelia — quando o julgamento acontece sem a presença, representação ou defesa do acusado — Coelho é o criminoso considerado foragido pela Justiça há mais tempo no país, com 35 anos de fuga ininterrupta. Ele é um dos cinco que estão foragidos há pelo menos três décadas, todos acusados de homicídio.

Em um recorte de tempo um pouco mais amplo, o Brasil tem hoje 95 criminosos condenados ou à espera de julgamento foragidos da Justiça há mais de 25 anos. Há mais de 20 anos, são 357 foragidos procurados. Com mandados de prisão abertos há mais de dez anos, são cerca de 10 mil os foragidos.

No total, de acordo com informações do Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões (BNMP) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), eram pelo menos 306.090 mandados de prisão em aberto em todo o país até o fim de agosto — o banco de dados é bastante dinâmico, com centenas de entradas e remoções no mesmo dia.

Os estados com mais mandados de prisão em aberto quando o banco de dados foi consultado pela Gazeta do Povo eram São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Pará, com 54.268, 23.381, 22.761, 16.932 e 14.624 foragidos, respectivamente. Os estados com menos mandados de prisão pendentes eram Roraima, com 2.13 foragidos, Acre, com 2.723, Amapá, com 3.722, Sergipe, com 3.542 e Tocantins, com 3.844 mandados de prisão em aberto.

Segundo o CNJ, do total de mandados em vigor, mais de 70% são de natureza penal e, destes, mais de 50% refere-se a cumprimento de penas provisórias, como prisões preventivas ou temporárias, sem condenação definitiva. Para especialistas, a existência de mandados em aberto há tanto tempo decorre, sobretudo, da falta de integração entre as forças de segurança pública.

“Nós precisaríamos ter um trabalho mais coordenado a nível estadual, as polícias dos estados têm que se integrar mais e se comunicar melhor”, afirma à Gazeta do Povo Celeste Leite dos Santos, promotora do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e presidente do Instituto Pró-Vítima. “Muitas vezes um acusado, um réu processado e depois condenado se muda para outro estado e, a partir daí, a polícia e a Justiça do estado de origem perdem o rastro dessa pessoa”, afirma.

Na avaliação da promotora, as polícias têm que se esforçar mais na captura desses criminosos dentro de suas áreas de atuação. “As polícias têm que fazer forças-tarefas para capturar estes criminosos. Existe aqui também outro gargalo de comunicação: a polícia é um órgão do poder executivo estadual, não do Poder Judiciário, que emana a decisão de prisão. A Justiça manda prender, mas quem tem que cumprir é a polícia”, diz Celeste.

Ela alerta que para além do grande número de criminosos que deveria estar preso mas está nas ruas, ainda há a questão da prescrição desses crimes e penas. “Essa demora toda acarreta inclusive na perda do direito do Estado de executar aquela pena. Esse cálculo da prescrição é feito em cima de cada pena concreta, de acordo com o Artigo 110 do Código Penal”, afirma a promotora do MP-SP. “No ordenamento jurídico brasileiro, todas as penas prescrevem se não forem aplicadas dentro do prazo, menos para os crimes de tortura e racismo.”

“Já passou da hora dos bancos de dados das polícias estaduais serem de fato integrados.”

Para Celeste, nem os governos estaduais e as polícias não estão fazendo as forças-tarefa para captura de foragidos como deveriam, e nem o governo federal está ajudando de forma rápida na integração dos diferentes bancos de dados das polícias de cada estado. “Já passou da hora dos bancos de dados das polícias estaduais serem de fato integrados, pelo menos em alguns aspectos principais como identificação, antecedentes criminais e foragidos, para que alguém que cometeu um crime em qualquer lugar do território nacional possa ser encontrado do Oiapoque ao Chuí, não interessa onde esteja ou para onde tenha se mudado”, afirma.

FONTE: https://www.gazetadopovo.com.br/brasil/foragidos-da-justica-ha-mais-de-25-anos-total-306-mil/

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