Toque de recolher, proibição de chamar a polícia, pagamento de taxas de proteção, falta de liberdade para escolher fornecedores de produtos e serviços, além de demonstrações de força em via pública. Uma população entre 50,6 milhões a 61,6 milhões de pessoas no Brasil — algo entre 25% e 30% da população nacional, de acordo com o último Censo do IBGE — vive em locais que possuem regras diferentes das vigentes para os demais cidadãos. São territórios onde prevalece também (ou apenas) o que mandam as facções criminosas.
O cenário de controle do crime organizado contempla periferia de grandes cidades, regiões metropolitanas e até municípios de pequeno porte no Brasil. A situação nacional é a pior constatada dentre 18 países na América Latina, incluindo alguns bastante conhecidos pela violência armada dos grupos criminosos, como México e El Salvador.
É o que revela a pesquisa “Governança Criminal na América Latina: Prevalência e Correlações”, realizada na universidade britânica de Cambridge e publicada em agosto na revista de ciência política Perspectives on Politics. A pesquisa usou como base dados do “Latino Barômetro de 2020”, levantamento realizado por uma organização chilena com pesquisas de opinião em 18 países da América Latina.
“No cenário mais estatisticamente conservador possível, um em cada dez latino-americanos vive em locais onde a presença do crime organizado é maior que a presença estatal.”
Em toda a América Latina, o estudo mostra que entre 77 e 100 milhões de pessoas vivem de alguma forma sob regras impostas por grupos criminosos — o que equivale a 14% da população. Foram entrevistadas de mil a 1,2 mil pessoas maiores de 18 anos de idade em cada um dos 18 países da região pesquisados, em 1.374 locais diferentes (a maioria cidades, mas também bairros e áreas dentro destas) pesquisados, totalizando pelo menos 18 mil entrevistas.
Os pesquisadores Andres Uribe, Benjaming Lessing, Noah Schouela e Elayne Stecher afirmam que no cenário mais estatisticamente conservador possível, um em cada dez latino-americanos vive em locais onde a presença do crime organizado é maior que a presença estatal. Quando a pergunta é se o entrevistado vive em lugar com algum tipo de presença de crime organizado, e não sob governança, de 52% a 58% respondem que sim.
Em segundo lugar no ranking que mediu a expansão do crime organizado, mas bem distante do Brasil, aparece a Costa Rica, com 13% da população vivendo sob as regras do crime, de acordo com o estudo. Em seguida aparecem Honduras e Equador, com 11% da população vivendo em territórios controlados pelo crime.
Colômbia, El Salvador, Panamá e México, todos com 9%, fecham os oito primeiros colocados do ranking. O estudo possui limitações metodológicas. “Por exemplo: digamos que um entrevistado seja de um bairro de classe trabalhadora e que não esteja pessoalmente sujeito ao domínio de gangues, mas responda que uma pequena gangue local proíbe roubos no bairro dele para não chamar a atenção da polícia”, afirmam os pesquisadores no trabalho.
“Um segundo entrevistado diz que vive sob o domínio de gangues fortemente armadas e rigorosas, em uma favela abandonada pelo Estado. Um terceiro diz que mora em uma área rural, onde cartéis e o prefeito conspiram para governar civis e saquear os cofres públicos. Esses três relatos de governança criminal contam igualmente. Somando-se, os países podem ter prevalências nacionais relatadas iguais, (…), enquanto experimentam formas e intensidades notavelmente diferentes de domínio de gangues sob variadas relações crime-Estado.”
FONTE: https://www.gazetadopovo.com.br/brasil/brasil-maior-indice-populacao-sob-jugo-do-crime-organizado-america-latina/