Civilização ou barbárie?

A ausência de políticas públicas e sociais de atenção e proteção a vítimas é algo que foi construído para A vítima que possuía o poder de “fazer justiça com as próprias mãos” (vingança privada) deixa de ter direitos e prerrogativas para assumir a incômoda posição de colaboradora do Estado.

A vítima que possuía o poder de “fazer justiça com as próprias mãos” (vingança privada) deixa de ter direitos e prerrogativas para assumir a incômoda posição de colaboradora do Estado.

Porém, um dos componentes desse pacto social restou fragmentado e esquecido: a segurança pública. A segurança pública, dever do Estado e da sociedade (art. 144 da Constituição Federal) não poderá ser alcançada tão somente com reprimendas penais ou socioeducativas eficazes, mas primordialmente pela prevenção à prática delitiva e à vitimização.

A onda de terror que assolou a todos com o ocorrido na escola estadual Thomazia Montouro no último dia 27.03.2023 trouxe a lume o modus operandi utilizado no massacre de Suzano.

O Estatuto da Vítima (PL n. 3890/2020) define as hipóteses de proteção e apoio a vítimas de especial vulnerabilidade, tais como, a sua diminuta ou avançada idade, do seu estado de saúde ou do fato de o agressor ser pessoa da própria família ou de grupo social fechado em que esteja inserida. Ou seja, é a pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez dependência econômica, coabitação com o agressor, etc. Refere-se, portanto, ao tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social. Trata-se, portanto, de circunstância aferível de acordo com cada caso concreto.o surgimento de um poder central (Estado). Em troca da perda de poder e dignidade foi atribuído a todos os cidadãos o direito a segurança e a paz social.

A Organização Mundial de Saúde propõe uma classificação, segundo a qual, podemos encontrar uma Prevenção Primária, uma Prevenção Secundária e uma Prevenção Terciária. De acordo com esta classificação, a prevenção primária visa impedir o aparecimento da doença, através da vacinação e da informação. A prevenção secundária procura detectar e despistar a doença, de forma a evitar que ela se propague e se agravem os seus efeitos individuais e coletivos. A prevenção terciária tem como objetivo evitar sequelas da doença e recidivas da mesma. Esta classificação tripartida pode adaptar-se à realidade de diferentes contextos de violência.

Vejamos.

Ao falarmos de prevenção primária, neste domínio, estaremos a pensar em todos os mecanismos que visem impedir o aparecimento de fenômenos de violência. Estaremos perante prevenção secundária sempre que se procure detectar e despistar a violência, de forma precoce, de forma a evitar que ela se propague e se agravem os seus efeitos individuais e coletivos. Finalmente, a prevenção terciária terá como objetivo evitar as sequelas da violência e recidivas. Destina-se a combater a reincidência dos agressores em condutas violentas. A intervenção preventiva secundária e terciária são remediativas e repressivas da violência (cf. Ferreira da Cunha, 2016, p. 222/223).

Analisando o episódio mencionado forçoso reconhecer a existência de três categorias de vítimas. As vítimas diretas (a professora vitimada, os demais professores e alunos que foram atacados com golpes de faca), as vítimas indiretas (familiares e amigos da professora vitimada) e as vítimas coletivas (toda a comunidade escolar e seu entorno – professores, funcionários, alunos, pais de alunos e comunidade de referência).

A urgência na garantia dos direitos das vítimas já ultrapassou a fronteira do necessário – é o último liame que nos distingue entre a existência de uma civilização e a barbárie. A reconstrução do nosso pacto social perpassa necessariamente pelo desenvolvimento de políticas preventivas à vitimização, de apoio e de desvitimização.

A vítima deve ter direito de acesso a uma justiça célere e efetiva e contar com medidas de proteção e apoio efetivas, direito de defesa, comunicação, informação, acesso a práticas restaurativas, como as que envolvem a superação do trauma e a formação da resiliência, o direito ao luto e a memória, dentre outras medidas de proteção. O caminho a ser percorrido já foi apontado pela Resolução 40/34 da Organização das Nações Unidas em 1985. É uma realidade no México, Argentina, Portugal, Espanha, dentre outros.

Aguarda-se a sensibilização do Congresso Nacional quanto a urgência de aprovação do Estatuto da Vítima (PL n. 3890/2020), de autoria do Deputado Rui Falcão. A reconstrução do nosso tecido social depende do bem estar de todos os cidadãos, sendo que nenhum deles pode ter sua dignidade subtraída por mecanismos artificiais.

*Celeste Leite dos Santos, idealizadora do Estatuto da Vítima, presidente do Instituto Pró Vítima, gestora do Projeto Avarc do MPSP, doutora pela USP, mestre pela PUC/SP

Raquel Kobashi Gallinati Lombardi, delegada de polícia, diretora da Associação dos Delegados de Polícia Do Brasil, embaixadora do Instituto Pró Vítima, mestre em Filosofia pela PUC/SP

FONTE: https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/civilizacao-ou-barbarie/

 

 

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O PRÓVÍTIMA (Instituto Brasileiro de Atenção e Proteção Integral às Vítimas) é uma associação de atenção e proteção integral à vítimas, sem fins lucrativos, independente de empresas, partidos ou governos.

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