No mês de julho, Flávia Raduan, voluntária do Instituto Pró Vítima, maquiadora, cabeleireira e profissional da indústria de cosméticos, embarcou em uma jornada única para Taiwan

No mês de julho, Flávia Raduan, voluntária do Instituto PróVítima, maquiadora, cabeleireira e profissional da indústria de cosméticos, embarcou em uma jornada única para Taiwan, onde participou de um curso de capacitação profissional oferecido e custeado pela International Cooperation and Development Fund (TaiwanICDF). A ICDF, uma instituição governamental taiwanesa, é dedicada ao desenvolvimento socioeconômico, à capacitação de recursos humanos e à promoção de relações econômicas em países parceiros. Durante 33 dias intensivos, Flávia foi a única brasileira em um grupo de especialistas de todo o mundo, adquirindo conhecimentos que visam transformar vidas por meio da beleza. Nesta entrevista exclusiva, ela compartilha suas experiências, impressões sobre Taiwan e como pretende aplicar os conhecimentos adquiridos em seu trabalho voluntário no Brasil.

Entrevista:

“O convite para participar do processo de seleção foi feito pelo Escritório Econômico e Cultural de Taipei à presidente do Pró-Vítima, Dra. Celeste Leite dos Santos, que me indicou. No processo seletivo, precisei comprovar meu nível avançado de inglês, atender aos requisitos de idade e profissão, além de explicar minha motivação para participar do curso.”

“O módulo mais marcante, sem dúvida, foi o de camuflagem de cicatrizes, ministrado na Universidade de Ciências e Tecnologia Chang Gung, no departamento de Ciências Cosméticas e Base Educativa para Reconstrução de Imagem. A primeira instrutora, que trabalha nesse projeto há 17 anos, compartilhou que a necessidade de iniciar esse centro surgiu a partir dos feedbacks recebidos dos alunos dos cursos de Medicina, Cirurgia Plástica, Fisioterapia e Enfermagem. Eles perceberam que, para uma pessoa vítima de violência, acidente ou doença que altere sua aparência, o ato de se olhar no espelho após a cura ou cicatrização pode se tornar um sofrimento constante, um lembrete doloroso do ocorrido. A ideia, então, foi unir técnicas de maquiagem e próteses para tentar devolver um pouco da autoestima dessas pessoas, melhorando assim sua qualidade de vida.

No início do projeto, a instrutora, juntamente com os outros profissionais do departamento, tentou utilizar próteses iguais às usadas no cinema para ajudar esses pacientes, mas logo percebeu que elas não eram adequadas para o uso no dia a dia. Eles, então, usaram a base dessas próteses para criar suas próprias, adaptadas para o uso cotidiano. Essas são mais realistas, não caem e oferecem uma solução mais prática aos pacientes. Eles desenvolveram até próteses de seios para mulheres que passaram por mastectomias devido ao câncer de mama. Além disso, também aperfeiçoaram técnicas para ensinar os pacientes a camuflarem suas cicatrizes de forma prática e eficiente em casa, utilizando maquiagem.

Algo que me tocou profundamente foi que, dentre os exemplos de histórias dos pacientes que a instrutora citava, as mulheres encaminhadas ao centro, em sua maioria, sofreram agressões vindas de homens, com ácidos ou líquidos quentes, enquanto os homens sofreram acidentes. Pensei a respeito durante muitos dias.

Durante a aula, também fomos instruídas sobre a forma correta de nos comunicarmos com esses pacientes, sempre com empatia, evitando palavras ou atitudes que possam causar mais sofrimento. Na segunda aula, tivemos uma demonstração de camuflagem de queimaduras em modelos reais, que já foram tratadas por esse departamento, seguida de uma prática em grupos nessas mesmas modelos. A experiência de trabalhar diretamente com elas, que, apesar de terem passado por grandes traumas, se dispuseram a nos ajudar a aprimorar nossas técnicas, foi profundamente tocante e gratificante.”

“Uma das formas mais comuns de um agressor subjugar suas vítimas, especialmente em casos de violência doméstica, é torná-las financeiramente dependentes. Essas mulheres muitas vezes não são autorizadas a trabalhar, o que as impede de sair da situação de violência sem enfrentar privações. Além disso, muitas delas têm filhos, o que as leva a suportar a violência para garantir uma condição de vida mínima para suas crianças. Com a capacitação que queremos oferecer dentro do instituto Pró-Vítima, essas mulheres podem se tornar aptas a atuar em diversas áreas da beleza, bem como abrir seus próprios negócios, tendo uma base para a gestão desses empreendimentos.

Muitas habilidades são necessárias além do conhecimento técnico; é preciso saber administrar uma agenda, precificar os serviços, vender e atrair clientes, entre outros. Essa capacitação pode ser um passo importante para elas recuperarem sua independência financeira. Vale lembrar que ter uma profissão é apenas um dos muitos fatores necessários para alcançar essa independência. Essas mulheres também precisam de soluções e leis que as protejam, como defende o PróVítima.”

“Além de trabalhar como maquiadora e cabeleireira, também atuo na indústria de cosméticos, desenvolvendo produtos e estratégias de marketing, então esse curso me proporcionou insights valiosos em diversas áreas. Para mim, o mais interessante foi observar como o conceito de beleza é construído em nossas mentes por fatores e influências externas. O que é considerado belo no Ocidente pode ser bem diferente no Oriente. Em Taiwan, por exemplo, vi produtos como primers que têm a função de clarear o rosto, enquanto aqui no Brasil preferimos um visual mais bronzeado. Também notei que no Brasil temos uma variedade maior de produtos de maquiagem, enquanto em Taiwan o foco é no skincare.”
“Durante minha estadia em Taiwan, pude perceber o forte senso de identidade e orgulho nacional do povo taiwanês. Apesar das complexas questões políticas e do status internacional de Taiwan, os taiwaneses mantêm uma postura determinada em relação à sua independência e reconhecimento global. A importância da inclusão de Taiwan em organizações internacionais, como a OMS, foi mencionada, destacando a necessidade do país ser ouvido e considerado em discussões globais, especialmente em temas de saúde pública. A experiência me fez refletir sobre a importância da autodeterminação e do reconhecimento internacional para um país que, apesar de todas as adversidades, busca se posicionar como um independente no cenário global.”
“Estamos planejando aulas e workshops voltados a capacitar mulheres que precisam reingressar no mercado de trabalho, capacitando-as e oferecendo a oportunidade de agregar ainda mais valor ao seu trabalho. O foco será sempre o desenvolvimento profissional e a conquista da independência financeira dessas mulheres.”

“Eu diria que é um trabalho extremamente necessário, que não deve se limitar apenas a profissionais da beleza. Todos têm algo a ensinar, e ajudar o próximo a se desenvolver é uma via de mão dupla, pois sempre podemos aprender algo valioso com o outro.”

Flávia Raduan retornou ao Brasil com uma bagagem cheia de conhecimentos e inspirações, pronta para compartilhar o que aprendeu e ajudar a transformar vidas. A experiência em Taiwan não foi apenas uma capacitação profissional, mas uma lição de vida sobre como a beleza pode ser uma ferramenta poderosa de empoderamento e recomeço.

Nota: Esta entrevista foi realizada em colaboração com o Escritório Econômico e Cultural de Taipei, que convidou Flávia Raduan para representar o Brasil neste importante programa de capacitação. O Instituto Pró-Vítima reitera seu compromisso com a defesa dos direitos das vítimas e agradece ao Escritório por esta oportunidade única.

Agradecimento de Flávia Raduan:

“Gostaria de expressar minha profunda gratidão ao Escritório Econômico e Cultural de Taipei pelo convite e à Dra. Celeste Leite pela indicação. Esta foi, sem dúvida, a oportunidade mais relevante para minha carreira. Também não posso deixar de agradecer à ICDF, a instituição que me levou até Taiwan; fui extremamente bem acolhida e tratada por todos. Além do curso, tive a chance de explorar o país, conhecer sua cultura e culinária, fazer amizades e me encantar por Taiwan. A experiência abriu minha mente em muitos aspectos. É um desejo muito forte retornar ao país em breve para conhecê-lo ainda mais.”

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O PRÓVÍTIMA (Instituto Brasileiro de Atenção e Proteção Integral às Vítimas) é uma associação de atenção e proteção integral à vítimas, sem fins lucrativos, independente de empresas, partidos ou governos.

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