Entrevista:
“O convite para participar do processo de seleção foi feito pelo Escritório Econômico e Cultural de Taipei à presidente do Pró-Vítima, Dra. Celeste Leite dos Santos, que me indicou. No processo seletivo, precisei comprovar meu nível avançado de inglês, atender aos requisitos de idade e profissão, além de explicar minha motivação para participar do curso.”
“O módulo mais marcante, sem dúvida, foi o de camuflagem de cicatrizes, ministrado na Universidade de Ciências e Tecnologia Chang Gung, no departamento de Ciências Cosméticas e Base Educativa para Reconstrução de Imagem. A primeira instrutora, que trabalha nesse projeto há 17 anos, compartilhou que a necessidade de iniciar esse centro surgiu a partir dos feedbacks recebidos dos alunos dos cursos de Medicina, Cirurgia Plástica, Fisioterapia e Enfermagem. Eles perceberam que, para uma pessoa vítima de violência, acidente ou doença que altere sua aparência, o ato de se olhar no espelho após a cura ou cicatrização pode se tornar um sofrimento constante, um lembrete doloroso do ocorrido. A ideia, então, foi unir técnicas de maquiagem e próteses para tentar devolver um pouco da autoestima dessas pessoas, melhorando assim sua qualidade de vida.
No início do projeto, a instrutora, juntamente com os outros profissionais do departamento, tentou utilizar próteses iguais às usadas no cinema para ajudar esses pacientes, mas logo percebeu que elas não eram adequadas para o uso no dia a dia. Eles, então, usaram a base dessas próteses para criar suas próprias, adaptadas para o uso cotidiano. Essas são mais realistas, não caem e oferecem uma solução mais prática aos pacientes. Eles desenvolveram até próteses de seios para mulheres que passaram por mastectomias devido ao câncer de mama. Além disso, também aperfeiçoaram técnicas para ensinar os pacientes a camuflarem suas cicatrizes de forma prática e eficiente em casa, utilizando maquiagem.
Algo que me tocou profundamente foi que, dentre os exemplos de histórias dos pacientes que a instrutora citava, as mulheres encaminhadas ao centro, em sua maioria, sofreram agressões vindas de homens, com ácidos ou líquidos quentes, enquanto os homens sofreram acidentes. Pensei a respeito durante muitos dias.
Durante a aula, também fomos instruídas sobre a forma correta de nos comunicarmos com esses pacientes, sempre com empatia, evitando palavras ou atitudes que possam causar mais sofrimento. Na segunda aula, tivemos uma demonstração de camuflagem de queimaduras em modelos reais, que já foram tratadas por esse departamento, seguida de uma prática em grupos nessas mesmas modelos. A experiência de trabalhar diretamente com elas, que, apesar de terem passado por grandes traumas, se dispuseram a nos ajudar a aprimorar nossas técnicas, foi profundamente tocante e gratificante.”
“Uma das formas mais comuns de um agressor subjugar suas vítimas, especialmente em casos de violência doméstica, é torná-las financeiramente dependentes. Essas mulheres muitas vezes não são autorizadas a trabalhar, o que as impede de sair da situação de violência sem enfrentar privações. Além disso, muitas delas têm filhos, o que as leva a suportar a violência para garantir uma condição de vida mínima para suas crianças. Com a capacitação que queremos oferecer dentro do instituto Pró-Vítima, essas mulheres podem se tornar aptas a atuar em diversas áreas da beleza, bem como abrir seus próprios negócios, tendo uma base para a gestão desses empreendimentos.
Muitas habilidades são necessárias além do conhecimento técnico; é preciso saber administrar uma agenda, precificar os serviços, vender e atrair clientes, entre outros. Essa capacitação pode ser um passo importante para elas recuperarem sua independência financeira. Vale lembrar que ter uma profissão é apenas um dos muitos fatores necessários para alcançar essa independência. Essas mulheres também precisam de soluções e leis que as protejam, como defende o PróVítima.”
“Eu diria que é um trabalho extremamente necessário, que não deve se limitar apenas a profissionais da beleza. Todos têm algo a ensinar, e ajudar o próximo a se desenvolver é uma via de mão dupla, pois sempre podemos aprender algo valioso com o outro.”
Flávia Raduan retornou ao Brasil com uma bagagem cheia de conhecimentos e inspirações, pronta para compartilhar o que aprendeu e ajudar a transformar vidas. A experiência em Taiwan não foi apenas uma capacitação profissional, mas uma lição de vida sobre como a beleza pode ser uma ferramenta poderosa de empoderamento e recomeço.
Nota: Esta entrevista foi realizada em colaboração com o Escritório Econômico e Cultural de Taipei, que convidou Flávia Raduan para representar o Brasil neste importante programa de capacitação. O Instituto Pró-Vítima reitera seu compromisso com a defesa dos direitos das vítimas e agradece ao Escritório por esta oportunidade única.
Agradecimento de Flávia Raduan:
“Gostaria de expressar minha profunda gratidão ao Escritório Econômico e Cultural de Taipei pelo convite e à Dra. Celeste Leite pela indicação. Esta foi, sem dúvida, a oportunidade mais relevante para minha carreira. Também não posso deixar de agradecer à ICDF, a instituição que me levou até Taiwan; fui extremamente bem acolhida e tratada por todos. Além do curso, tive a chance de explorar o país, conhecer sua cultura e culinária, fazer amizades e me encantar por Taiwan. A experiência abriu minha mente em muitos aspectos. É um desejo muito forte retornar ao país em breve para conhecê-lo ainda mais.”