A cidade de Cádiz é famosa por celebrar um dos melhores, mais coloridos e animados carnavais espanhóis. Um carnaval muito seguro, blindado contra agressões sexuais. Para conseguir esse objetivo, há vários anos adota-se um “Protocolo ontra as agressões sexuais”, semelhante ao da boate Sutton de Barcelona. Os diversos protocolos existentes na Espanha seguem a linha comum de reforçar a segurança contando com roteiros que deverão seguir de forma voluntária os principais envolvidos: funcionários de boates, discotecas, restaurantes, promotores de eventos, shows, concertos, desfiles, as vítimas, a polícia, os médicos forenses, mas também o que podem e devem fazer, por exemplo, as testemunhas. A iniciativa foi importada do Reino Unido, onde se iniciou a campanha “Ask for Angela”, que ajuda mulheres em situação de vulnerabilidade em discotecas e bares.
No Brasil não existe uma ação coordenada e integrada entre sociedade e poderes públicos. Falta conscientização e, acima de tudo, capacitação no colhimento e atenção a vítima de crimes.
Os organizadores dos espetáculos, que deveriam ser os primeiros a capacitar seus participantes e funcionários, são absolutamente alheios a questão, a despeito do preocupante aumento dos casos de violência sexual durante os dias dessa festividade. Em São Paulo, desde 3 de fevereiro de 2022, a lei estadual 17.621 obriga os organizadores de eventos, bares, restaurantes e casas noturnas a prestarem auxílio à vítima no caso da prática de crimes. No caso de descumprimento da obrigação de fornecer transporte, acompanhante ou acionar a polícia, o responsável pela entidade ou evento poderá responder cível e administrativamente. Por exemplo, uma escola de samba ou bloco de Carnaval poderá ser obrigado a indenizar a vítima ou ser proibida de desfilar no ano subsequente.
O cerceamento à liberdade sexual de mulheres é a moderna forma de limitar o acesso a espaços públicos, tidos por tipicamente masculinos. Nessa estratificação de papéis entre o masculino e o feminino, aquele que viola essa regra implícita está tacitamente aceitando ser violado.
Não é possível que se continue se aceitando como natural que apenas uma parcela dos cidadãos tenha acesso pleno e igualdade de oportunidades em espaços públicos. Toda política de igualdade deve se pautar pelo respeito aos direitos humanos de todos.
É urgente a adoção de políticas de atenção a vítimas em nosso país. Espera-se que, com a aprovação do Estatuto da Vítima no Congresso Nacional, essa conscientização ocorra e sejam desenvolvidos protocolos de atenção integral e apoio a vítimas e suas diferentes formas de vulnerabilidade.
Celeste Leite dos Santos
Doutora em direito civil (USP), é presidente do Instituto PróVítima (Instituto Brasileiro de Atenção e Apoio a Vítimas).
Regina Helena Fonseca Fortes-Furtado
Advogada, é professora de direito penal da Universidade de Oviedo (Espanha)
FONTE: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/02/um-carnaval-com-angela.shtml